sexta-feira, 12 de abril de 2013

EM MEMÓRIA DE ROMEU DE MELO (12 Abril 1933 - 1991) - Manuel Frazão






EM MEMÓRIA DE ROMEU DE MELO

Faria hoje, se fosse vivo, 80 anos o meu grande amigo Romeu de Melo. Não quero deixar passar em claro esta efeméride porque a ele devo muito do que sou em matéria de conhecimento e de formação. Conheci o Romeu por volta de 1957, tinha eu 16 anos e ele 24. Cursava Economia, estava a cumprir o serviço militar e preparava então o seu primeiro livro que intitularia de AK - ...A Tese e o Axioma que seria publicado em 1959, no Porto. Desde o primeiro encontro, na casa do pai, em Mértola, que se estabeleceu entre nós uma profunda amizade e um respeito mútuo que sempre levou em consideração as divergências e as opiniões de ambos. A tal ponto que nunca nos tratámos por “tu”, criando uma fórmula que perdurou através dos anos de “Mister”. Em todos os seus livros, que guardo religiosamente, as suas dedicatórias manuscritas começam sempre por “ Ao Mister Frazão…”. Nesse ano de 1957 frequentava eu o 6º ano do Liceu, em Beja, e começara a estudar uma das disciplinas curriculares, a Filosofia. Como sempre gostara de História e como a primeira abordagem aos temas filosóficos se iniciavam pela Grécia, berço da Filosofia, desde logo ficara preso a tais temas. Nada melhor que ter, nesta iniciação, contactado com o Romeu porquanto todo o seu campo de interesses se centrava, exactamente, no âmbito filosófico. Dotado de excepcional inteligência, com uma capacidade de memorização que só nele conheci e incansável na leitura e pesquisa de autores nacionais e estrangeiros na área da filosofia, foi ele o meu mentor que me abriu caminho nesta senda, nunca terminada, do prazer do conhecimento. Mas, ao mesmo tempo, o Romeu era um analisador de caracteres, com um imenso espírito de humor, contagiando todos os que com ele conviviam, sempre com um sorriso bonacheirão que lhe iluminava os olhos e lhe dava a aparência de um buda em constante regozijo com a vida, imagem acentuada pela careca que sempre lhe conheci. Romeu de Melo foi um filósofo, no verdadeiro sentido da palavra, vendo na Filosofia a área do conhecimento que “cumpre a captação do ser na sua integridade…ao responder às questões cardeais tais como: o que é o ser? o que é a verdade? qual o valor da existência? qual o mundo que deve ser?” (in Reflexões: Antropologia-Filosofia-Política-Sociologia, Arcádia, 1981); foi um ficcionista que escreveu vários contos e organizou antologias de ficção científica (A Buzina, AK-A Tese e o Axioma, Não lhes Faremos a Vontade e 2 volumes com Alguns dos Melhores Contos de Ficção Científica) em todos eles privilegiando o primado da inteligência, humana ou extraterrestre, sobre a “cultura das massas”. Neste particular diz Álvaro Holstein que Romeu foi “o pai da ficção científica portuguesa” e para este remeto quem queira ter uma síntese da sua ficção; foi um crítico da época entre 1977/1980 ao escrever uma série de crónicas publicadas no Jornal Novo e em A Tarde onde pontifica a figura caricata do Januário e com a qual aborda uma série de situações que, então, se viviam no Portugal pós-revolucionário. A segunda parte desta compilação de crónicas, intitulada de O Reino Original, com artigos entre 1974 e 1983, é de cariz eminentemente político que ele apelidou de “O Espólio de Januário”. Muito mais foi Romeu de Melo na sua vida de escritor, pensador, economista, filósofo e romancista ficcional. Tem uma vasta obra publicada mas, como todos os intelectuais deste país, está ostracizada, ainda que seja tão actual hoje como no tempo em que foi publicada. Pena que as gerações actuais não cultivem o gosto pela leitura e pela Filosofia. A cultura portuguesa perdeu um dos seus maiores expoentes desta tão maltratada área do pensamento, a Filosofia, e não mais vi reeditadas as suas obras nem mesmo nestes areópagos modernos que são as redes sociais e a internet. Nem na Wikipédia existe uma referência desenvolvida do autor ou do seu pensamento existindo somente uma referência a algumas obras publicadas na Bibliowiki.

Não posso deixar de referir aqui algumas das facetas menos conhecidas do Romeu. Muitas coisas aprendi com ele e uma das não menos importantes foi a de apreciar o humor de Hergé, o famoso criador de Tim-Tim. Recordo com muita saudade as horas que levávamos a ler as muito interessantes e não menos educativas aventuras do jornalista belga e de Milou, algumas das quais eu já lera em revistas de BD como o Cavaleiro Andante. Curiosamente no livro O Reino Original a última das suas crónicas é sobre Hergé no dia da morte deste belga que deu muito ao mundo da BD. Para esse artigo remeto os interessados porque é um verdadeiro hino ao genial homem que criou tão magníficas figuras que o Romeu resume numa frase paradigmática. “Esquecíamo-nos de que Tim-Tim era um desenho, uma entidade artificial: Tim-Tim era vivo, Tim-Tim éramos nós.” Era, aliás, com este espírito que o riso franco, aberto e contagiante do Romeu nos incentivava a apreciar tanto Hergé como todas as coisas boas da vida. É deste seu riso, da sua boa disposição, da sua jovialidade e da sua sempre boa vontade em levar pelos encantos da Filosofia e da ficção científica que hoje lhe presto esta pequena homenagem. Em 1991, pelos idos de Dezembro, se não me falha a memória, levou para esse “assento etéreo”, onde sempre a sua imaginação deambulou, toda a sua humanidade, bondade e saber ao serviço de outros valores que ainda não estão descobertos mas que ele, agora, já dominará. Até sempre, meu querido e saudoso Amigo.
 
Manuel Frazão 12 Abril 2013 - no seu FB

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